Reportagem sobre Ensino Médio Integral e o Mundo do Trabalho

para o Jornal Edição do Brasil – Abril de 2024


1. Cerca de 33% dos estudantes não estudam em Escolas de Tempo Integral por situações relacionadas a trabalho. Como o governo pode resolver esse problema, sem aumentar a taxa de evasão escolar?


O tema da Educação e o Mundo do Trabalho se entrelaçam em uma relação simbiótica e de dependência. A educação está voltada para formações para o convívio social; para a o desenvolvimento de habilidades e competências das questões práticas do cotidiano; para o aprimoramento de opiniões voltadas para as relações políticas, sociais, culturais e econômicas; e também para qualificação e preparação para o Mundo do Trabalho. O trabalho entrelaça a própria existência humana e a educação forma e molda os indivíduos propiciando conhecimentos necessários para as práticas laborais.


Há décadas é debatido e discutidos modelos de currículos que possam ser mais eficientes na formação dos cidadãos, é uma das temáticas da educação mais complexas, onde nunca há unanimidade e existem vários defensores de inúmeros modelos: Formação em Tempo Integral, em Tempo Parcial Regular, Técnico, Profissionalizante, ou Científica voltada para seleção através do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) para Faculdades e Universidades. E todos estes modelos com intensa disputa política pelas propostas, onde cada grupo político de interesse expões vantagens e desvantagens de tudo que é apresentado.


Se pressupõe que a Escola em Tempo Integral, pelo maior número de horas de estudo, seria o ideal para a formação dos jovens. Mas será que realmente somente um aumento da carga horária seria suficiente para melhoria da questão da educação? Muitas vezes não, e tudo vai depender de questões regionais, se escola é em área rural ou urbana, o perfil dos alunos, qual as categorias socioeconômicas dos estudantes fazem parte.


Muitas vezes os administradores e gestores públicos confundem o Ensino Médio com a Educação Infantil (creche ou a pré-escola), onde somente manter o educando alimentado e distante dos perigos de um mundo violento já se justificaria o Ensino em Tempo Integral, mas estas conclusões sem análises mais aprimoradas acabam por afastar ainda mais os jovens dos bancos escolares, contribuindo com isso para o aumento da evasão escolar. Muitas escolas nos centros urbanos oferecem somente a Educação em Tempo Integral, não ofertando o Ensino Regular Noturno e quando os jovens chegam o momento da decisão de ingressar no Mundo do Trabalho ou por necessidade, pois muitos têm que auxiliar no sustento de seus núcleos familiares, estes adolescentes muitas vezes abandonam os estudos decorrente de uma escola que não oferece o Turno Noturno e por outras circunstâncias, outras unidades educacionais ficam distantes de suas residências.


Uma das soluções para estes problemas perpassa pelo mapeamento sistemático do público, do entorno da escola, dos objetivos individuais e coletivos, para identificando o melhor modelo a ser instalado em cada unidade educacional, oferecendo opções para os vários casos individuais e aglutinando em grupos similares distribuindo assim a demanda. É recorrente os jovens abandonarem a escola com o sentimento de desamparo e falta de compreensão de suas realidades.



2. O Programa Pé-de-Meia é a melhor solução?


A Lei nº 14.818, de 16 de janeiro de 2024 que institui o Programa Pé-de-Meia, em parte vai auxiliar no problema da evasão escolar, mas definitivamente não resolve o problema. O Programa pode beneficiar o aluno sem muitas perspectivas, onde os R$200,00 mensais podem dissuadi-lo do abandono dos estudos, mas dentro de uma lógica de mercado, o Programa Jovem Aprendiz em meses de 30 dias pagam de R$642,00 por 20 horas semanais (4 horas ao dia de segunda a sexta) a R$1.155,60 por 36 horas semanais (6 horas ao dia de segunda a sábado) ou até mesmo um emprego com base na CLT paga pelo menos R$1.412,00 por 40 ou 44 horas semanais. O jovem vai ponderar em sua escolha pelo simples fator que os R$1.412,00 do Salário Mínimo Nacional no Brasil é superior aos R$200,00 do Programa Pé-de-Meia, e dependendo da necessidade de cada estudante, um ganho maior pode convencê-lo ao abandono dos estudos.



3. O Programa Pé-de-Meia tem mais pontos de atenção, para serem melhorados, ou mais aspectos positivos?


Ele tem uma finalidade positiva, mas tem que fazer parte de um programa gradual, onde jovens de 14 a 16 anos recebam o benefício, mas tenham instruções profissionalizantes, oficinas de ofícios como barbeiro e cabelereiro, serralheiro, garçom, caixa ou estoquista, dentre outros, não necessariamente Cursos Técnicos, onde os investimentos são maiores e requerem complexos planejamentos pedagógicos. E durante as instruções de ofícios profissionalizantes, o próprio poder público ou as escolas possam encaminhar os estudantes das Escolas Públicas para empresas e instituições conveniadas a receberem candidatos ao Programa Jovem Aprendiz, monitorando o estudante neste período e guiando e acompanhando para sua inserção definitiva no Mundo do Trabalho.



4. Segundo a pesquisa, 72% dos jovens estudantes pretendem trabalhar e estudar. Com base nesses números, a fórmula de Ensino Integral é a melhor opção para a Educação Brasileira?


O Ensino Integral seria de grande importância para uma formação mais completa do estudante brasileiro, mas esta formação deve ser diversificada, dentro da mesma unidade educacional, com um currículo mais variado, com turmas com preparação para o ENEM, turmas com oficinas profissionalizantes, talvez polos de formação técnica, programas de leitura (grande diferencial do Estado do Ceará, com os melhores indicadores educacionais do país), formação artística e cultural (grande diferencial das escolas privadas que recebem alunos das classes socioeconômica mais privilegiadas que agregam intenso Capital Cultural). Estas instituições deixariam de ser simples unidades educacionais para se tornarem Centros Educacionais de Formação.


No parágrafo acima reforçamos a importância as Educação Integral, mas ficam outras perguntas: o jovem estudante, segundo a pesquisa encomendada pela organização Todos pela Educação, está interessado no trabalho ou em ganhar algum “dinheiro” para si ou para sua família? Ele quer exercem uma atividade digna ou quer qualquer emprego que lhe dê um salário? O estudante tem ciência do que realmente quer? Foi formado ou orientado? Ele aceitaria qualquer ocupação? Podendo até ser degradante ou extenuante?


A Educação Integral estaria mais voltada para a formação crítica do cidadão, para localizá-lo no mundo em que vive, e o Mundo do Trabalho muitas vezes não está interessado em empregados com estas características. O empregador estaria disposto a dar prioridade na frequência escolar, aos horários dos turnos escolares? O próprio Programa Pé-de-Meia exige em seus critérios 80% de frequência escolar, e conciliar o Ensino Integral, uma ocupação laboral e a exigência da frequência do programa seria quase que impossível. Debates sobre a educação, programas de benefícios sociais, formação e Mundo do Trabalho ainda devem cumprir as fases de amadurecimento e ajustes.


A estruturação do Ensino Médio deve ser diversificada, com trilhas voltadas para o Ensino Técnico, Qualificação Profissionalizante, voltadas para o Mundo do Trabalho, e de preparação para o ENEM, com objetivos para a Educação Superior, além de reforço escolar para os Componentes Curriculares básicos estipulados pelos órgãos e instituições responsáveis pela Educação no Brasil. O Ensino de Tempo Integral pode abranger estas formações, mas se os objetivos dos educandos estejam voltados para o Mercado de Trabalho, ajustes e acertos devem ser feitos para que os estudantes possam conciliar ambas atribuições, Trabalho e Estudo, sem detrimento de horas de lazer, descanso e outras atividades sociais. O Ensino em Tempo Integral deve ser mais uma das opções dos estudantes, pois estão em transição para a fase adulta, com novos rumos sendo apresentados. Esta modalidade de ensino deve ser múltipla, visto que no Brasil, o Programa Jovem Aprendiz já compreende adolescentes entre 14 e 16 anos, e as contratações CLT via Carteira de Trabalho, se iniciam aos 16 anos. A Educação em Tempo Integral deveria ser reforçada e universalizada no Brasil para a etapa do Ensino Fundamental, está sim, com estudantes entre 7 e 14 anos, onde a ampliação da jornada escolar pode ser uma grande contribuição para suas formações educacional, social e cultural, além de beneficiar as famílias de trabalhadores que carecem e demandam de onde deixar seus filhos durante suas atividades laborais. A grande contribuição para o Mercado de Trabalho seria a Educação em Tempo Integral para a etapa do Ensino Fundamental, pois as crianças e os recém adolescentes precisam de maior atenção em suas rotinas, visto que os adolescentes inscritos no Ensino Médio já têm maior autonomia e independência, abrandando as preocupações e atenções de seus responsáveis e familiares.



5. O Novo Ensino Médio foi modificado recentemente. Você acredita que esse projeto vai ser mais aceito pela sociedade?


O que temos notado é um certo desconhecimento do Currículo do Novo Ensino Médio pela maioria das pessoas externas à comunidade escolar. Até 2021 eram 12 disciplinas do Currículo Básico: Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Artes, Educação Física, Matemática, Biologia, Física, Química, Filosofia, Geografia, História e Sociologia distribuídas em 800 horas anuais, disciplinas estas que agregam um aparato geral de todo o Conhecimento Humano desenvolvido no transcorrer da história e que são necessários a todo indivíduo que convive coletivamente com seus pares nos mais diversos espaços, tanto públicos, quanto privados. A partir de 2022, as 800 horas foram implementadas em mais 200 horas com disciplinas eletivas e itinerários formativos com um prejuízo para as 12 disciplinas do currículo básico. Se aumentou para 1.000 horas na formação anual, mas com perda de conteúdos necessários à formação dos educandos, onde eram 12 disciplinas, se tornaram 21 no currículo atual. Para 2024 houve uma readequação das disciplinas eletivas e itinerários formativos, retornando parte das horas para as 12 disciplinas do currículo básico, mas ainda permanecendo as 3.000 horas de formação nos 3 anos do Ensino Médio.


O currículo do Novo Ensino Médio de 2024 ainda não está em um debate público massificado, onde o desconhecimento sobre o assunto ainda faz parte do mundo fora dos muros das escolas, poucos pais tem conhecimento do novo modelo, professores e alunos ainda estão se adequando ao novo currículo, que segue a lógica do “quando mais melhor”, mas tem-se percebido que os educandos ainda estão confusos com o objetivo da proposta e estes ainda têm dificuldades de se organizar com a quantidade grande de disciplinas implementadas. Mas o debate que tem se seguido para fora das mesas dos administradores e gestores e que “nem sempre mais é melhor”, e uma das observações que são feitas é que a quantidade prejudicou a qualidade.



6. Essas alterações no currículo, dessa etapa de ensino, eram necessárias?


Era e são constantes os debates sobre as necessidades de alterações nos currículos escolares, um dos pontos chaves do próprio tema da educação em sua concepção. Com o Novo Ensino Médio, os educadores tiveram a oportunidade de perceber que nem sempre um currículo maior vai acarretar em uma melhor formação do educando. Contestar o currículo é necessário e está sendo importante, uma vez que reformas curriculares constantes são necessárias, readequando a todo o momento para as necessidades das novas gerações de estudantes em um mundo em constante mudança. Pode ser que nunca cheguemos a um acordo sobre os currículos escolares, pois a diversidade de sujeitos em disputa é grande e o currículo escolar é uma competição política quase que permanente em qualquer país ou lugar do mundo e as sugestões e possibilidades são quase que infinitas, e que praticamente norteia a existência humanas de como vamos relatar as nossas trajetórias e como vamos planejar o futuro. Mas outros assuntos e temáticas devem ser colocados nas mesas de debate, que são tão importantes quanto o currículo escolar, questões como didática de ensino, métodos pedagógicos, formação de professores, materiais de apoio e de ensino, participação da família na formação dos alunos são tão importantes quanto o currículo e têm sido eclipsados neste momento.



Flávio Pimenta – Sociólogo, Analista Educacional Sênior da UNNIVERSA Soluções Multiportas de Conflitos e Professor de Sociologia da Educação Básica



Contatos:


e-mail: flaviopimenta@projetopolis.com.br


UNNIVERSA Soluções Multiportas de Conflitos: https://www.unniversamultiportas.com.br






Título da Matéria: 7 em cada 10 jovens querem estudar e trabalhar durante o Ensino Médio


Endereço da Reportagem:


https://edicaodobrasil.com.br/2024/04/19/7-em-cada-10-jovens-querem-estudar-e-trabalhar-durante-o-ensino-medio/


Veículo de Comunicação, Página e Data de Publicação:


Jornal Edição do Brasil – Nº 2115 – Pág. 02 – 19/04/2024


https://edicaodobrasil.com.br/2024/04/20/edicao-do-brasil-2115-20-a-27-de-abril-de-2024/


https://edicaodobrasil.com.br/wp-content/uploads/2021/08/JEB_2115.pdf



Imagem da Edição Impressa: