Reportagem sobre Educação Infantil para
o Jornal Edição do Brasil – Março de 2024
1. Segundo o diretor de Estatísticas Educacionais do INEP, Carlos Moreno, o Brasil registrou matrículas de 4,1 milhões de alunos em creches, em 2023. Na sua avaliação, esse índice está abaixo, razoável ou alto, se comparado a demanda atual da sociedade?
Antes de iniciarmos qualquer debate sobre a Educação Infantil ou Básica, devemos primeiro indagar sobre o próprio conceito de Educação.
Para que serve a Educação? Para que serve a Escola? Porque vamos para a Escola? São perguntas primordiais e essenciais ao universo educacional que poucos sabem responder, menos ainda no Brasil. São perguntas que quase a totalidade dos alunos, seu pais e responsáveis e muitos profissionais da educação não sabem responder! Observamos muitos pais dizendo que se pode tirar tudo de alguém, menos o conhecimento! Na teoria um fato absoluto e incondicional, mas na prática e infelizmente são dizeres vazios de um argumento pronto. Alguns se arriscam dizer que a educação tem a serventia para se arrumar um emprego melhor ou para a qualificação para uma profissão. A educação tem, também, como uma das suas finalidades a formação para o mundo do trabalho, mas antes disso ela integra a formação do indivíduo para o mundo social, preparando os campos da socialização e do civilizatório. A família é nossa formadora primária para questões básicas e a escola é a preparação para o convívio com o restante do mundo. Sem a escola seríamos seres sem conteúdo e limitados, a educação abre as portas para questões maiores e praticamente ilimitadas. Estes limites são perpetuados pelo modelo civilizatório brasileiro atual, onde a curiosidade e a análise crítica dos fenômenos muitas vezes são condenadas e a educação escolar é relegada como mero praxe angustioso e obrigatório, na qual o conhecimento frequentemente é tratado como um instrumento dispensável. A educação é uma ideia em constante desenvolvimento, e nossos destinos são determinados e entrelaçados por ela. O processo educacional é um dos pilares do aculturamento dos indivíduos, onde a educação representa um dos principais elementos da cultura de um povo.
Segundo a Projeção Populacional do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população brasileira entre 0 e 3 anos caiu de 11.675.746 em 2014 para 11.616.078 em 2023. Uma queda de aproximadamente 0,51% desta faixa etária populacional, um número normal dentro da dinâmica da população brasileira. E quanto às matrículas nas Creches nos 5.570 municípios brasileiros, nesta mesma faixa etária de 0 a 3 anos, eram 2.897.928 crianças matriculadas nas creches em 2014 e 4.122.873 de matrículas em 2023, um crescimento de aproximadamente 42,3% nos últimos 10 anos, dados estes do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação. Destas 4.122.873 matrículas no ano de 2023, 66,8% eram em creches públicas, representando 2.753.518 crianças atendidas na faixa etária de 0 a 3 anos.
Em números absolutos, houve um grande avanço quanto ao acolhimento destas crianças, este crescimento de 42,3% de matrículas em 10 anos é significativo, pois foram criadas 1.224.945 vagas nas creches. Mas apenas 35,5% das crianças brasileiras na faixa etária entre 0 e 3 anos são atendidas pelas creches, existindo um déficit de 64,5%, nas vagas, onde aproximadamente 7,5 milhões de crianças ainda não são beneficiadas pelo atendimento educacional na primeira etapa da infância. O Plano Nacional de Educação (PNE) do Ministério da Educação prevê como meta o atendimento de 50% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos nas creches da Educação Infantil até o ano de 2024, objetivo muito difícil de ser alcançado.
2. Na pré-escola, o Censo Escolar indica um total de 5,3 milhões de alunos matriculados. Esse dado realmente mostra um avanço no atendimento educacional?
A Etapa de Ensino da pré-escola possui números mais consistentes em relação às creches, das 5.922.271 crianças de 4 a 5 anos no Brasil em 2023, 5.338.282 estavam matriculadas em pré-escolas, estes números significam que 90,1% das crianças nesta faixa etária frequentam a pré-escola, onde aproximadamente 78,1% estavam matriculadas em escolas públicas. O Plano Nacional de Educação (PNE) do Ministério da Educação prevê como meta a universalização – todas as crianças em território brasileiro – das matriculas na pré-escola para as crianças com 4 ou 5 anos para o ano de 2024, intuito também difícil de ser realizado. Mas a Educação como política pública no Brasil vem avançando a passos largos e faz projetos a curto, médio e longo prazo, passamos de um país com um grande número de analfabetos e pouquíssimas escolas, para uma nação com intenções na universalização da Educação Básica e Infantil, planejamentos estes desenvolvidos em pouco mais de 60 anos.
3. O que falta para o Brasil conseguir índices satisfatórios, quando o assunto é Educação Infantil?
Investimento! Na construção de Escolas de Educação Infantil, em todos os bairros de todos os 5.570 municípios, inclusive nas zonas rurais, a ampliação de vagas nas escolas existentes e a criação de turmas de Educação Infantil nas Escolas de Educação Básica. A criança deve estudar no bairro em que vive, indo a pé para escola, se integrando e fazendo parte de sua comunidade. Mesmo com o avanço na criação de vagas para a Educação Infantil nos últimos 10 anos, decorrente de políticas públicas e atuação dos Movimentos Sociais, precisamos também de um maior diálogo e um melhor planejamento por parte do Governo Federal, dos Estados e das Prefeituras, para identificar as localidades com as maiores necessidades e traçar métodos para se conseguir a universalização da Educação Infantil. Nosso modelo político descentralizado, muitas vezes embarca em disputas políticas inúteis, fazendo com que serviços públicos essenciais, como a educação, não atendam os cidadãos brasileiros em sua totalidade. Apesar de temos um dos maiores PIB (Produto Interno Bruto) do mundo, um dos maiores orçamentos públicos, e um orçamento muito grande específico para a educação, questões de gestão impedem a eficiência plena do setor. Uma das medidas que dificulta a implantação de novas escolas e vagas é a Emenda Constitucional nº 95 de 2016 que alterou a Constituição Brasileira de 1988 quanto ao Teto dos Gastos Públicos, que limitou os investimentos nas áreas de Saúde e Educação por 20 anos, valendo até o ano de 2036. Segundo a Constituição Brasileira de 1988 a Educação é um dever do Estado e um direito dos Cidadãos e estes direitos não podem ter restrições.
4. Qual seria a principal prioridade para melhorar os índices dessa fase escolar?
Desde a década de 1960 a prioridade era, e ainda é, a universalização da implantação da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) e da Educação Infantil (Creche e Pré-Escola), onde visamos muito a questão das quantidades, se todos as crianças e adolescentes têm acesso ao serviço público da educação, dentro de um modelo inclusivo de sociedade e civilização desejado e almejado, mas esbarramos nas questões da qualidade. Não basta termos escolas, temos que ter escolas de qualidade, integradas também a outros serviços públicos como a saúde, a empregabilidade, acesso a bens culturais, visando sempre o bem-estar do cidadão. A escola é a porta de entrada para a efetivação da cidadania. E para que a escola seja integrada e a educação plena, a qualidade do serviço precisa ser melhorada, no oferecimento da Educação Integral, em turnos integrados (manhã e tarde), melhorias na formação de professores, gestores mais qualificados, intensificar a participação dos pais e responsáveis no processo educacional dos alunos. Pais mais participativos são imprescindíveis para o rendimento escolar de seus filhos, os melhores alunos geralmente tem pais mais presentes nas escolas, o Brasil precisa urgentemente de um mecanismo onde os pais e responsáveis possam pelo menos em uma data no mês, serem liberados de seus trabalhos para irem às escolas, pois a baixa participação dos responsáveis nas reuniões de pais e mestres são na maioria das vezes justificadas pela falta de tempo e a impossibilidade de irem devido às suas atividades laborais.
Nos últimos 20 anos o Brasil fez mais investimentos na Educação Superior do que na Educação Básica ou Infantil, decisão muitas vezes mal interpretada, pois o entendimento lógico e racional seria que precisamos de toda atenção e investimentos possíveis às primeiras etapas da educação. Mas, o aumento da quantidade de universidades públicas, mais vagas no Ensino Superior, cotas para estudantes das escolas públicas nas universidades públicas e bolsas de estudo nas universidades privadas podem ser uma política pública para a Educação Básica ou Infantil a longo prazo. Quanto maior a escolaridade e melhor qualificação da população adulta brasileira, melhores serão os indicativos das primeiras etapas da educação, pois estes formandos do ensino superior um dia serão pais, e terão maiores e melhores condições de assessorar seus filhos quando estes iniciarem seus processos educacionais. O investimento brasileiro no Ensino Superior, além de melhorarem as condições de vida destes alunos das universidades e faculdades, também ajudarão a formar e moldar as próximas gerações, indiretamente também se está sendo feito um investimento no futuro, os gestores a as escolas deverão se adaptar à pais e responsáveis mais participativos, qualificados e exigentes.
5. Qual é a importância da Educação Infantil?
A Educação Infantil é composta pelas Etapas de Ensino da Creche e da Pré-Escola, que tem características distintas, apesar das idades cronológicas muito próximas, mas com especificidades bem definidas.
O atendimento das crianças de 0 a 3 anos pelas creches não representa apenas o primeiro acesso ao processo educacional, representa o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, cognitivas e motoras, evidencia também o acompanhamento nutricional, muito importante para se evitar as restrições alimentares, para que as crianças possam desenvolver ao máximo suas potencialidades fisiológicas e intelectuais, além de terem um controle a mais das vacinas indicadas pelo Ministério da Saúde. Nesta etapa da infância a escola tem um papel importante no auxílio para a família no processo de desfralde das crianças, onde estas já se conhecem melhor e têm maior controle de seus corpos. As crianças começam a se identificar como pessoas pensantes e autônomas. Outro fator muito importante que o atendimento das creches oferece é a atenção ao trabalhador, onde estes têm onde deixar seus filhos durante suas jornadas de trabalho. Sem as creches, os trabalhadores muitas vezes deixam seus filhos com parentes ou filhos mais velhos, gerando mais uma insegurança em sua rotina, isto quando um dos pais não tem que interromper suas atividades laborais para cuidar do filho pequeno, em detrimento da mulher, pois na maioria esmagadora das vezes quando um dos membros do casal tem que parar de trabalhar para cuidar da criança, esta é a esposa, que interrompe sua trajetória profissional, podendo gerar prejuízos na carreira, perdas monetárias e gerando dependência financeira do marido, além de outros conflitos à vida conjugal. A temática das creches não alimenta apenas o debate do mundo da educação, alimenta também o debate do mundo do trabalho e da vida privada das pessoas.
Na pré-escola, as crianças de 4 e 5 anos, além dos aperfeiçoamentos socioemocionais, cognitivos e motores, passam pela fase de letramento e pelas codificações da pré-alfabetização, onde lhes são apresentadas as letras com suas vogais e consoantes, os números e a introdução da lógica matemática. Nesta fase da infância, as crianças começam a se conhecer mais, já tem um domínio maior da linguagem e conseguem se comunicar com maior destreza. Geralmente é na pré-escola que se identifica se as crianças são destras ou canhotas, adaptando o aprendizado dentro de suas características e desenvolvendo uma coordenação motora mais aguçada e hábil. Os primeiros laços de amizade são formados e já conseguem identificar os grupos sociais a que fazem parte, e a Escola tem um papel muito importante nestes processos, ela é a instituição facilitadora do processo de socialização, os primeiros jogos e habilidades desportivas são administradas. As crianças matriculadas na pré-escola desenvolvem melhor as percepções do mundo ao seu redor e adquirem mais rápido a consciência necessária para a vida coletiva. Nesta Etapa da Educação, a Escola pode auxiliar na identificação de algumas deficiências possíveis das crianças, como as visuais (necessidade de óculos), de fala (necessidade de atendimento fonoaudiólogo) e no aprendizado. A pré-escola continua a ter a mesma importância que as creches para os pais e responsáveis, no sentido também de ter um lugar onde deixar seus filhos quando estão no trabalho.
Usualmente, crianças matriculadas na Educação Infantil terão um melhor desenvolvimento, mais efetivo e pleno de suas potencialidades, do que as crianças que não participam desta Etapa da Educação, justificando assim a importância desta fase no aperfeiçoamento de suas capacidades.
6. Na questão de Minas Gerais, você consegue ver um avanço maior, se comparado a situação nacional?
A situação do Estado de Minas Gerais é muito semelhante em proporção à conjuntura da Educação Infantil brasileira, com indicadores muito parecidos. A população mineira entre 0 a 3 anos em 2023, segundo o IBGE, era de 1.047.770 crianças, destas 35,2% estavam matriculadas em creches, significando 368.958 matrículas, e em sua maioria (66,9%) nas creches públicas, caracterizando com isso, um déficit de 678.812 vagas, ou 64,8% do recorte populacional. Quanto à pré-escola, das 535.808 crianças com 4 ou 5 anos no Estado de Minas Gerais em 2023, 498.721 estavam matriculadas em escolas desta etapa da educação, representando um déficit de apenas 6,9%, onde 37.087 crianças esperam matrículas, vagas ou encaminhamento para a pré-escola. Se seguirmos as expectativas do Plano Nacional de Educação (PNE) do Ministério da Educação, tanto a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches, quanto a universalização das inscrições das crianças de 4 ou 5 anos na pré-escola, não foram alcançadas.
Na temática da Educação Infantil, Minas Gerais padece dos mesmos problemas do Brasil, os contratempos da distribuição demográfica e no ordenamento político e espacial das cidades e municípios. Tanto o Brasil, com seus 5.570 municípios, quanto Minas Gerais com suas 853 cidades, tem o obstáculo de terem muitas cidades pequenas, diversas com menos de 10.000 habitantes, gerando impasses em um planejamento mais apurado e na distribuição de recursos. Os municípios menores, têm baixa arrecadação de impostos, como os de serviços ou prediais, muitas destas cidades dependendo exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), onde a união repassa recursos para a gestão destas localidades, dificultando ainda mais o investimento em educação, agravando as adversidades e diminuindo os indicadores educacionais, federais e estaduais. Por prerrogativa constitucional, através da LBD – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 1996), os municípios e as prefeituras são os fiéis responsáveis pela Educação Infantil no Brasil.
Estados com menos municípios, como São Paulo, Paraná, Santa Catarina ou Rio Grande do Sul dispõem de melhores indicadores na Educação Infantil. Esta lógica, também se segue para o Estado de Minas Gerais, cidades maiores com arrecadação e população superiores, como Belo Horizonte, Contagem, Betim, Uberlândia ou Juiz de Fora, apresentam indicadores mais consistentes e convivem com déficits de vagas ou matrículas mais amenizados.
Flávio Pimenta – Sociólogo, Analista Educacional Sênior da UNNIVERSA Soluções Multiportas de Conflitos e Professor de Sociologia da Educação Básica
Contatos:
e-mail: flaviopimenta@projetopolis.com.br
UNNIVERSA Soluções Multiportas de Conflitos: https://www.unniversamultiportas.com.br
Título da Matéria: Matrículas na Educação Infantil avançam, mas ainda existe grande déficit nas vagas
Endereço da Reportagem:
Veículo de Comunicação, Página e Data de Publicação:
Jornal Edição do Brasil – Nº 2109 – Pág. 14 – 08/03/2024
https://edicaodobrasil.com.br/2024/03/08/edicao-do-brasil-no-2109-9-a-16-de-marco-de-2024/
https://edicaodobrasil.com.br/wp-content/uploads/2021/08/JEB_2109.pdf
Imagem da Edição Impressa: